Ocupação em hotéis abandonados: uma alternativa para combater o déficit habitacional
- Labor Movens

- 13 de set.
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Atualizado: 20 de set.
Angela Teberga de Paula & Bianca Briguglio | Labor Movens
Na madrugada do dia 7 de setembro de 2025, data que o Brasil comemorou o Dia da Independência, ocorreram, simultaneamente, 18 ocupações de prédios abandonados em todo o país por trabalhadores organizados do MLB - Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas. Uma dessas ocupações chamou nossa atenção: a ocupação de um prédio abandonado do antigo Hotel Colorado, localizado no Setor Hoteleiro de Taguatinga (SHT), uma das regiões administrativas mais populares e antigas do Distrito Federal. O SHT se localiza na entrada da cidade, tendo sido construído em 1961 para abrigar o antigo Setor Automobilístico de Taguatinga.
A escolha da data da ocupação organizada nacionalmente não foi à toa. Na Esplanada dos Ministérios, no tradicional Desfile cívico-militar de 7 de setembro, o slogan era “Brasil Soberano”, uma resposta a um contexto de conflito político com os Estados Unidos, cujo presidente, Donald Trump, impôs taxações absurdas à exportação dos produtos brasileiros. A ação estadunidense, embora tenha consequências comerciais, tem sentido político, na medida em que busca pressionar o governo brasileiro a anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe que culminou nos atos de 8 de janeiro de 2023. Já nas ocupações, se entoava as palavras de ordem: “Não há soberania sem moradia”.
“A gente fez uma ocupação em nível nacional, no 7 de Setembro, denunciando que não há soberania sem o direito à moradia. Então, a gente realizou 18 ocupações em 15 estados, inclusive aqui no Distrito Federal” - afirmou Anna, representante do movimento que está em ocupação no hotel de Taguatinga.
De fato, aqui temos uma reflexão importante. Para além do conceito jurídico, ligado ao direito de um Estado de governar seu território sem interferências externas, garantir a soberania também pressupõe a garantia de direitos básicos, como moradia, saneamento básico, saúde e alimentação. À medida em que parte da população não tem acesso a esses direitos, garantidos na própria Constituição Federal, a soberania deste país fica enfraquecida e comprometida.
A ocupação no antigo Hotel Colorado foi intitulada de “Expedito Xavier Gomes”, em homenagem a um dos milhares de trabalhadores, na maioria nordestinos, que vieram para construção de Brasília na década de 1960, os chamados “candangos”. Este trabalhador, que dá o nome à ocupação, foi um dos dois trabalhadores mortos soterrados em um buraco de 5 metros de profundidade na construção da Universidade de Brasília, que viria a ser inaugurada poucos dias depois.

Na ocupação Expedito Xavier Gomes estão residindo 80 famílias, espalhadas pelas 60 unidades habitacionais (10 UHs por andar, 6 andares) do prédio. Há escala da equipe para cozinhar, limpar os entulhos e cuidar das crianças. Também organizaram uma cozinha improvisada e uma pequena creche, de nome “Expeditinho”, onde as crianças brincam no contraturno escolar.


Outras ocupações
Essa não é a primeira vez que se ocupa um hotel abandonado em Brasília. No ano de 2015, 150 trabalhadores organizados no MRP - Movimento de Resistência Popular ocuparam o prédio do antigo Torre Palace Hotel, localizado no Setor Hoteleiro Norte, região central de Brasília. A reintegração de posse foi autorizada pela Justiça e os ocupantes foram retirados pela Polícia Militar de maneira extremamente violenta, incluindo disparos de bala de borracha e bombas de efeito moral. Poucos meses antes, outros trabalhadores organizados no MRP também já haviam ocupado o Hotel Saint Peter, no Setor Hoteleiro Sul, com o objetivo de reivindicar a prorrogação do auxílio-aluguel, que à época era de 600 reais e válido durante um ano.
No Brasil, o epicentro desse tipo de ação que luta por moradia popular está na cidade de São Paulo e envolve outras diversas siglas, sendo a mais famosa delas o MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, criado em 1997. O MTST está presente em 14 Estados brasileiros, trabalhando para organizar e mobilizar trabalhadores e trabalhadoras precarizados e pobres das periferias na luta pelo direito à moradia digna. O MTST está intrinsecamente associado às Cozinhas Solidárias, que oferecem refeições gratuitas, a partir de financiamento do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) do Governo Federal.
Em São Paulo, alguns hotéis foram ocupados por diferentes movimentos de luta por moradia. A ação mais conhecida é a do antigo Columbia Palace, um hotel de luxo da região do centro antigo da cidade. Os moradores criaram um centro cultural, no qual contam a história da própria ocupação e documentam todo o trabalho de restauro e benfeitorias que fizeram. O espaço antes ocupado por entulhos e ratos tornou-se moradia com instalação de água e energia elétrica pelas mãos dos próprios moradores. O antigo hotel foi ocupado, por cerca de 100 famílias, de 2010 até 2021, com um despejo violento das famílias e lacração do prédio. Em maio de 2023, uma frente de movimentos de moradia conseguiu entrar novamente no prédio, derrubando as barreiras instaladas pela prefeitura, e fundou a Ocupação Columbia Palace (em referência ao antigo nome do edifício, "Columbia Palace Hotel"). A situação atual da Ocupação Columbia Palace é de alta tensão e vulnerabilidade. As famílias vivem sob a constante ameaça de um despejo iminente, ordenado pela Justiça. Outra ocupação importante, de mais de 200 pessoas, aconteceu no antigo Hotel Cambridge, sobre a qual há documentário e curta metragem, disponível no Youtube.
Déficit habitacional e ocupação de hotéis abandonados
Embora a Constituição Federal estabeleça, nos Arts. nº 6 e 23, que a moradia seja um direito do povo e uma obrigação do Estado, a Fundação João Pinheiro (FJP) - que faz o processamento dos dados da Pesquisa Nacional de Amostras Domiciliares Contínuas (PNADC) e do Cadastro Único -, estima que o déficit habitacional do Brasil seja de mais de 6 milhões de domicílios, representando mais de 8% do total de habitações ocupadas no país. Por isso, os movimentos populares utilizam das ocupações para pressionar as administrações locais para desapropriação de prédios vazios e transformá-los em moradia social; abrigar emergencialmente famílias em situação de vulnerabilidade, como durante períodos de inverno intenso ou como ocorreu durante a primeira onda de transmissão da COVID-19 em 2020; e, finalmente, chamar a atenção da imprensa e da sociedade civil sobre a questão social do déficit habitacional.
Há uma dificuldade muito grande para mensurar a quantidade de imóveis ociosos no Brasil. Na cidade de São Paulo, estima-se que a quantidade de imóveis vazios seja 20 vezes maior que a população em situação de rua na cidade. O Distrito Federal contava com 79.908 imóveis ociosos em 2021. De acordo com dados do último censo, o Brasil teria 11 milhões de domicílios ociosos e 6 milhões de pessoas sem ter onde morar. Desse montante, não se sabe, em exato, a quantidade de meios de hospedagem.
A ocupação de hotéis abandonados é uma estratégia eficaz para os movimentos de luta por moradia porque transforma um passivo urbano, que seria o prédio ocioso, em uma solução imediata para um problema social urgente, a falta de moradia.
Ocupar um hotel tem a possibilidade de abrigar um número maior de pessoas e resolver o problema da moradia naquele momento, especialmente quando há eventos climáticos como chuvas, tempestades ou frio muito intenso. Por outro lado, este tipo de ocupação denuncia a especulação imobiliária e, em alguma medida, pressiona o poder público a agir - mesmo que este o faça, geralmente, de forma violenta e injusta. O aspecto de denúncia se fortalece quando as ações são transmitidas pela mídia, o que se tornou mais comum com o advento das redes sociais, que podem transmitir as ações em tempo real, gerando simpatia pelo movimento e chamando atenção da população geral para o problema.
É sempre importante lembrar que este tipo de ocupação é legítima e juridicamente fundamentada, com base no princípio da função social da propriedade, como já esclarecemos. Entretanto, este tipo de ocupação não é vista como uma solução definitiva ideal, mas como uma tática de luta poderosa para alcançar conquistas concretas, seja a regularização daquele prédio específico, seja a pressão para a criação de políticas públicas de habitação mais amplas.





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