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Diferenciais salariais no setor turístico capixaba: em que medida ocorrem (e até quando)?

Lázaro Dias, Évilly Bezerra & Priscila dos Santos | PPGE&D/UFSM



2006, o estado é o Espírito Santo. Mulheres empregadas no mercado formal de trabalho do turismo recebem aproximadamente 27,3% menos que os homens (com as mesmas qualificações)! Em 2016, dez anos depois, elas ainda ganham 19,6% menos. Esses resultados corroboram outros estudos nacionais e internacionais que identificam assimetrias salariais por gênero, não apenas nas atividades turísticas, mas também na economia como um todo (Corseuil & Santos, 2002; Giuberti & Menezes-Filho, 2005; Santos & Varejão, 2007; Coelho; Veszteg & Soares, 2010).


Convento da Penha, Vila Velha (ES). Crédito: Lázaro Dias.


São notórias as potencialidades da atividade turística para a geração de emprego, renda e desenvolvimento (Santos & Kadota, 2012). O Brasil é conhecido mundialmente por seus destinos, ricos de diversidade em riquezas naturais e culturais. O Espírito Santo é visitado ao longo de todo o ano. Adeptos ao turismo religioso viajam para conhecer o Convento da Penha na cidade de Vila Velha, os que desejam desfrutar do turismo de sol e praia buscam cidades como Guarapari, Serra ou Piúma. Ainda, empresários e trabalhadores que viajam a princípio a negócios para cidades da Região Metropolitana de Vitória têm acesso a uma diversidade de atrativos culturais no entorno da capital capixaba (Brasil, 2016).


O setor no país é marcado por altas taxas de informalidade e rotatividade (Coelho & Sakowski, 2015). As atividades características do turismo (ACTs) associam-se às ocupações geradoras de bens e serviços consumidos por turistas. Assim sendo, estão contemplados nesse grande grupo a compra de uma água de coco na praia de um vendedor ambulante informal, ou a hospedagem em um hotel de luxo em algum município da região serrana do Espírito Santo, por exemplo.


Fazendo uso de estatísticas da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério da Economia, nosso artigo ‘Diferenciais salariais por gênero e cor no setor turístico capixaba’ – publicado em dezembro de 2020 na Revista de Turismo Contemporâneo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – investiga assimetrias nas remunerações do mercado formal de trabalho para o estado do Espírito Santo em dois recortes distintos, 2006 e 2016. Através de um modelo econométrico de regressão múltipla buscamos entender quais os efeitos nos salários das variáveis: educação, idade, experiência, o fato da trabalhadora ser mulher e, o fato da empregada ou empregado autodeclarar-se preta (o).


O estudo teve como principais resultados:


  • ao contrário do que se observa em outros países, tal como Noruega e Portugal, (Santos & Varejão, 2007; Thrane, 2010), os efeitos da educação no salário dos trabalhadores e trabalhadoras é baixo, 6,4% em 2006 e 4,5% em 2016. Isso significa dizer que, a cada ano acrescido em escolaridade o retorno em salário seria de aproximadamente 6,4% e 4,5% respectivamente, tudo mais constante;


  • a idade em 2006 tinha maior impacto nos salários (5,14%) em comparação à 2016 (1,16%). Experiência também pouco impacta nas remunerações, 2,75% em 2006 e 3,65% em 2016. Esses resultados caminham em consonância com hipóteses que defendem a alta rotatividade do setor (SAKOWSKI, 2015);


  • as assimetrias por gênero são as mais visíveis e preocupantes, em 2006 foi 27,3% e, em 2016 passou para 19,6%. Pesquisadores do tema atrelam esse fenômeno a um conjunto de variáveis, tais como o caráter patriarcal e machista da sociedade brasileira ou ainda a dupla jornada comumente exercida pela mulher após o seu expediente de trabalho (Pauli, Nakabashi, & Sampaio, 2012; Araújo, 2015; Valverde, 2016).


  • Os resultados para a desigualdade étnico-racial não apresentaram quocientes de um gap (intervalo) relevante entre os autodeclarados pretos e os não-pretos. Nós, os autores, abrimos grande parêntese com relação a esse achado. As assimetrias podem ocorrer, ainda que não tenham sido identificadas pelo modelo econométrico e recortes temporais e geográfico antepostos.


A queda do coeficiente de escolaridade na década 2006-2016 acende um sinal de alerta vermelho. Valorizar as capacitações profissionais dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras é condição necessária para a oferta de bens e serviços turísticos mais qualificados, que possam movimentar não somente a economia do ponto de vista doméstico, mas reafirmar internacionalmente o Brasil como destino ofertante de bens e serviços de qualidade e valor agregado, implicando em melhores salários, novas capacitações, produtos ofertados ainda melhores. Esse círculo virtuoso deve ser entendido como prioridade pelo Ministério do Turismo, instituições públicas e privadas e empresários do ramo, aos quais interessa-lhes o desenvolvimento da atividade no país.


Os diferenciais salariais por gênero foram, de fato, atenuados em uma década para o mercado formal de trabalho do turismo no Espírito Santo. Entretanto, tal esforço coletivo e principalmente galgado pelos movimentos feministas deve perseverar. Como sociedade não é razoável esperarmos mais uma, duas décadas para que essas assimetrias deixem de existir. Tão translúcida quanto a água de algumas praias do nosso litoral é entender e valorizar o quanto as ACTs [intensivas em trabalho] podem corroborar para a criação de ocupações e empregos para o grande contingente de desocupados, desempregados e desalentados que hoje a economia brasileira comporta.


Morro do Moreno, Vila Velha (ES). Crédito: Lázaro Dias.


Um adendo. Quase um ano após a primeira morte no Brasil causada pela Pandemia do novo coronavírus (COVID-19), as incertezas são diversas. Entretanto, um raio de luz e esperança desponta no horizonte. As primeiras doses de diferentes vacinas estão sendo aplicadas por todo o país e esse fato alimenta em nossos corações não apenas uma, mas várias vezes o desejo de fazer as malas e viajar. Quando imunizados e já em segurança, poderemos admirar novamente o entardecer no Morro do Moreno em Vila Velha, visitarmos os atrativos culturais de Vitória, ou quem sabe reunirmos os amigos e a família em um quiosque em Guarapari e pedir uma cerveja bem gelada. Saúde!



 

Referências:

Araújo, C. F. S. (2015). A dupla jornada de mulheres inseridas no mercado de trabalho turístico em Aracaju - SE. Anais do I Seminário Nacional de Sociologia da UFS, Aracaju, SE, Brasil.

Brasil, G. H. (Coord.). (2016). Diagnóstico e avaliação do potencial turístico do município de Vitoria: relatório do projeto de pesquisa e desenvolvimento. Vila Velha, ES: Setur.

Coelho, M. H. P., & Sakowski, P. A. M. (2014). Perfil da mão de obra do turismo no Brasil nas atividades características do turismo e em ocupações. Brasília, DF: Ipea.

Corseuil, C. H., & Santos, D. D. (2002). Fatores que determinam o nível salarial no setor formal brasileiro. In Corseuil, C. H. et al. (Orgs.), Estrutura salarial: aspectos conceituais e novos resultados para o Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Ipea.

Giuberti, A. C., & Menezes-Filho, N. (2005). A. Discriminação De Rendimentos Por Gênero: Uma Comparação Entre O Brasil E Os Estados Unidos. Economia Aplicada, 9(3), 369-383.

Pauli, R. C., Nakabashi, L., & Sampaio, A. V. (2012). Mudança estrutural e mercado de trabalho no Brasil. Revista de Economia Política, 32(3), 459-478.

Sakowski, P. A. M. (2015). Mensurando o emprego no setor turismo no brasil: do nível nacional ao regional e local. Rio de Janeiro, RJ: Ipea.

Santos, G. E. de O., & Kadota, D. K. (2012). Economia do Turismo. São Paulo: Aleph.

Santos, L. D, & Varejão, J. (2007). Employment, pay and discrimination in the tourism industry. Tourism Economics 13(2), 225-240.

Thrane, C. (2010). Education and earnings in the tourism Industry: the role of sheepskin effects. Tourism Economics, 16(3), 549-563.

Valverde, J. A. V. (2016). A inserção da mulher no mercado de trabalho: discriminação, assédio, diferença salarial entre gêneros e avanços na busca pela igualdade. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.

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