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O trabalho: de categoria teórica à observação empírica no comércio ambulante de praia de Matinhos-PR

Tieme Carvalho Nishiyama & Mayra Tayza Sulzbach



Em decorrência das crises do capital, em especial em relação à concorrência global e ao desenvolvimento tecnológico, o trabalho assumiu formas flexíveis e desregulamentadas, resultando em diversas formas de trabalho. Segundo Marx, (1983, apud LESSA, 2007), o trabalho é uma categoria articulada entre o homem e a natureza, para a promoção de sua subsistência e também uma categoria que atende à sociabilidade, na qual os seres humanos por meio de relações sociais, produzem diferentes formas de organização social. Enquanto categoria teórica, o trabalho atende a diferentes especificidades marcadas por dinâmicas locais.


Com base nas transformações do mundo do trabalho, a presente divulgação apresenta resultados relativos a esta categoria, a partir dos trabalhadores do comércio ambulante das praias de Matinhos, litoral do Paraná – Brasil. A contextualização do local ocorreu por meio de revisão da literatura retratando fenômenos relacionados a esses sujeitos em Matinhos. Os dados relativos aos trabalhadores foram obtidos por meio de observação participante, questionários e entrevistas semiestruturadas, nos meses de dezembro a março, quando as temperaturas estão mais elevadas (ordem da natureza) e ocorre o período de férias escolares (ordem social).


Fonte: Danielle Salmória.


Segundo Bigarella (2009), a população matinhense recebe durante o verão os “banhistas”, como eram conhecidos, desde meados de 1920. A história da origem do município de Matinhos conta com registros da ocupação do solo ligada a balneabilidade sazonal, e com uma população residente migrante do interior do estado do Paraná, habitando em áreas mais afastadas do mar, uma vez que as populações não residentes estabeleceram residências para uso temporário mais próximas ao mar.


A sazonalidade característica de Matinhos estabeleceu dinâmicas específicas das relações sociais e econômicas, promoveu a dependência externa do dinheiro para a manutenção das funções pública do local (FELISBINO; SULZBACH, 2011), bem como definiu relações sociais e categorias de trabalho específicas ao local, em especial a do trabalho de comércio ambulante de praia.


No cenário da natureza de sol e mar, milhares de pessoas desfrutando de lazer ou turismo dividem espaço com centenas de vendedores ambulantes, trabalhadores, regulamentados pela administração pública local através da Lei municipal n°1.267/2009, que dispõe sobre o exercício do comércio ambulante, bem como sobre as atividades comerciais e de prestação de serviço temporário ou sazonal no Município. Por meio da referida Lei, os ambulantes tem a possibilidade de comercializar no curto espaço de tempo de verão, alimentos, bebidas, roupas entre outros.


Segundo dados fornecidos pelo Departamento de Fiscalização da Prefeitura Municipal, para a temporada 2017/2018 (ano de realização da pesquisa empírica) foram recebidas 1.245 solicitações de cadastros, destas, 640 foram aprovadas e licenciadas para a atividade do comércio ambulante. Cada licença corresponde a uma única pessoa, que pode atuar no balneário correspondente ao bairro em que reside.


O trabalho do comércio ambulante é regulamentado para atender exclusivamente moradores do Município e pode ser interpretada como uma política pública socioeconômica municipal para redução das dependências externas, uma vez que são os residentes que promovem a manutenção e a permanência jurídica do Município, para além da temporada.


Fonte: Danielle Salmória.


A rotina de trabalho de cada vendedor ambulante é diferenciada, cada um tem horário para iniciar ou terminar a jornada, em geral iniciam pela manhã e se estendem trabalhando até a noite, excedendo as oito horas diárias, como estabelecido pela regulação do trabalho assalariado, bem como não fazem intervalo para refeições ou exercícios laborativos, tampouco descansam final de semana.


Se para a administração pública local, o trabalho do vendedor ambulante é temporário, em decorrência de sua licença, para os vendedores ambulantes esse trabalho é uma profissão. Dentre os 79 vendedores pesquisados, 44,3% trabalharam a mais de 10 temporadas de verão e apenas 3,7% trabalhavam pela primeira temporada. Entre as motivações ao trabalho de vendedor ambulante está a não necessidade de se submeter às ordens de terceiros e as relações sociais e de amizades que se estendem para além das temporadas. Entre alguns ambulantes, esse trabalho é uma alternativa - no sentido de "é o que tem" -, à subsistência.


Em Matinhos, encontram-se homens que a partir do meio ambiente (social e natural) organizam um trabalho que parece comum aos moradores, à administração pública e até mesmo aos visitantes: o da venda de mercadorias nas areias da praia, sendo esse executado por moradores do local, munidos de um carrinho e suas mercadorias, montando e demonstrando todos os dias o seu “ponto” de venda, esses estabelecem múltiplas relações com a administração pública municipal e com a população não residente, ou seja, relações entre homens que se organizam socialmente para produção e distribuição de mercadorias, estas nem sempre produzidas no local.


Nessas relações, os trabalhadores temporários proporcionam o sustento seu e de sua família mesmo fora do período de temporada de veraneio, contribuindo com a promoção e manutenção da economia local todos os dias do ano. Ao término da temporada alguns ambulantes dão continuidade ao seu trabalho, como outros seguem trabalhando em outras atividades. Entre as atividades produtivas desenvolvidas pelos homens com término da licença destacam-se o trabalho na área da construção civil, como pedreiro, ajudante de pedreiro, pintor e serviços gerais, já as mulheres, ao término da temporada evidencia-se o trabalho doméstico, como diarista, cozinheira, caseiras e do lar.


O trabalho do vendedor ambulante temporário de Matinhos se diferencia do trabalho informal definido pelas transformações do mundo do trabalho, essas decorrentes das crises do capital, as quais se caracterizam pela terceirização, trabalho doméstico entre outros. É um trabalho planejado, bem como um trabalho formalizado, mesmo que seja no local. Certamente na divisão do trabalho social esses trabalhadores não dispõem de direitos trabalhistas, criados para atender a classe dos trabalhadores em uma sociedade dividida em classes, e não em uma sociedade como a brasileira, que nunca atingiu o pleno emprego, tampouco desenvolveu um sistema de proteção social universal de maneira a desenvolver uma sociedade digna de ser determinada como do trabalho.


Nesse sentido, levando em consideração que uma sociedade só existe em decorrência da existência do homem e da natureza, da qual ele faz parte e promove sua subsistência, Matinhos, além de um município, é uma sociedade organizada sobre um espaço que dispõe de “recursos naturais” definidos pela sua posição no planeta terra. Recursos específicos que induzem uma organização social específica de trabalho no local, porém que também leva em consideração o modo de organização social da produção capitalista, que tem em sua centralidade a troca do produto do trabalho humano por dinheiro.


Considera-se que os resultados levantados possam fortalecer e fomentar outros estudos e debates sobre o mundo do trabalho, e em diferentes áreas de conhecimento, em especial à sociologia econômica e às ciências ambientais, as quais fundamentaram teoricamente.


 


Tieme Carvalho Nishiyama é residente técnica na Secretaria de Administração e Previdência do Paraná (SEAP), Mestrado em Desenvolvimento Territorial Sustentável – PPGDTS pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Especialização em andamento em Gestão Pública pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e Graduação em Gestão Pública pela UFPR.


Mayra Tayza Sulzbach é docente do Curso de Gestão Pública, Gestão Empreendedorismo e do Programa de Pós graduação em Desenvolvimento territorial Sustentável - PPGDTS da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Bacharelado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Econômico pela UFPR, Doutorado sanduíche em Economia das Organizações pelo Centre d'Analyse Théorique des Organisations et des Marchés (ATOM) - Université Paris 1 (Pantheon-Sorbonne) e Pós-Doutorado em Sociologia Econômica no Laboratoire Interdisciplinaire de Sociologie Économique (LISE).


Nota. O presente texto apresenta resultados da dissertação de mestrado realizada pela primeira autora sob orientação da segunda, com os vendedores ambulantes de praia em Matinhos – PR, para o Programa de Pós graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável – PPGDTS/UFPR. Consulte a dissertação através do link.


Referências

BIGARELLA, J. J. Matinho: Homem e Terra Reminiscências. 3° ed. ampl. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 2009.

FELISBINO, J. N; SULZBACH, M. T. O trabalho informal no mercado de trabalho nos Municípios de Matinhos, Guaratuba e Pontal do Paraná - Paraná. Relatório de Iniciação Científica, 2011.

LESSA, S. Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2007.


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