top of page

O novo proletariado de serviços: análise da precarização do trabalho no setor do turismo

Atualizado: 15 de out. de 2020

César Roberto Castro Chaves Everton | UFMA


Trabalhador precarizado do turismo. Fonte: Iniciativa Debate


O novo proletariado de serviços consiste numa massa crescente de trabalhadores que emergiu de forma significativa a partir do contexto de reestruturação produtiva do sistema capitalista ocorrido na virada do século XX para o XXI. O estágio atual de desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo possibilitou o surgimento e expansão dessa nova classe trabalhadora, de serviços e altamente precarizada. Essa forma do capitalismo, denominada de neoliberal, é marcada pela sobreposição do capital rentista em relação ao capital industrial, o que fez com que a indústria passasse a empregar cada vez menos trabalhadores, fazendo as massas de sobrantes buscarem os empregos precarizados do setor de serviços.


A precarização do trabalho faz parte do projeto capitalista de exploração extrema da força de trabalho e aumento crescente da produtividade, busca o controle da classe trabalhadora ou controle do trabalho (Harvey, 2011, p. 143). O proletariado, antes mesmo de ser majoritariamente de serviços, nunca constituiu uma classe homogênea e portadora de estabilidade e de garantias, mesmo no período do “compromisso fordista” (Bihr, 2010). Desde sempre apresentava suas camadas precarizadas, mesmo no ápice do fordismo-keynesianismo.


Como resultado da radical reestruturação produtiva capitalista da década de 1970, surgiu um mercado de trabalho formado por uma imensa e crescente massa de trabalhadores flexíveis, autônomos, temporários, sub-empregados, num contexto em que o trabalho estável é cada vez mais raro. O setor de serviços passou, a partir de então, a ser alvo de um intenso processo de privatização que o levou a se tornar um setor altamente produtivo da economia capitalista e que concentra na atualidade o maior número de trabalhadores, sejam eles formais ou informais.


As recentes transformações do sistema produtivo capitalista têm provocado profundas transformações no mundo do trabalho. Os sindicatos, que antes dependiam do acúmulo de trabalhadores na fábrica para serem viáveis (Harvey, 2011), passam agora a ter enormes dificuldades para compreender o crescente processo de redução do proletariado industrial e de aumento do proletariado de serviços em escala global, o que tem gerado uma profunda crise de representatividade na medida em que desconhecem essa classe trabalhadora emergente.


O novo proletariado de serviços (Antunes, 2018) é composto por uma massa de trabalhadores que não tem organização sindical efetiva (por vezes nenhuma). É extremamente fragmentada, intermitente, terceirizada, composta em grande parte por trabalhadores que são imigrantes, negros, jovens sem grandes perspectivas de vida, mesmo com elevada escolaridade em alguns casos, mas que trabalham de forma precarizada ou não têm emprego. São trabalhadores e trabalhadoras que, em geral, não têm consciência de classe “em si” e “para si”. Por serem empreendedores, pensam que fazem parte da classe média, quando na verdade são proletários de serviços.


A reestruturação produtiva permanente do capital, oriunda da grande crise de 1973, fez surgir o regime de acumulação flexível, que avançou com o projeto de devastação das formas trabalho típicas do fordismo. Emergiu desse quadro uma nova classe operária, o novo proletariado de serviços, uma massa crescente de proletários precarizados que não se vê como proletariado.


O quadro que se apresenta à classe trabalhadora no século XXI é de “derrota da luta operária pelo controle social da produção [e de] reestruturação do capital, num patamar distinto daquele efetivado pelo taylorismo e pelo fordismo” (Antunes, 2009, p. 47), sem qualquer perspectiva de terceira via, como a proposta social-democrata de Tony Blair na década de 1990. O momento impõe aos sindicatos e à classe trabalhadora a necessidade de compreensão do turbilhão em que se encontram, oriundo das metamorfoses do mundo do trabalho.


O Estado de bem-estar social (Welfare State), uma das marcas da era dourada de prosperidade do pós-guerra, vivido pelos países centrais, que combinava desenvolvimento fordista com keynesianismo, vem sendo paulatinamente desmontado. Da sua crise e do seu consequente desmanche, teria surgido essa nova classe proletária precarizada, denominada por diversos autores de precariado (Esping-Andersen, 1994).


O cenário atual é marcado por constantes reestruturações econômicas e ajustamentos sociais e políticos, o que tem ocasionado o avanço da precarização do trabalho em escala global. Nos países centrais da economia capitalista tem avançado o projeto neoliberal de desmonte do Welfare State, oriundo do compromisso fordista. Nos países periféricos, onde sequer houve Estado de bem-estar social, têm sido adotadas políticas de reestruturação econômica responsáveis pela retirada de direitos formais conquistados historicamente pela classe trabalhadora. O quadro requer dos sindicatos e movimentos sociais maior compreensão do padrão flexível de produção que está solapando a organização da classe trabalhadora e transformando a base objetiva da luta de classes (Harvey, 2011).


O turismo, assim como as demais atividades de serviços, tem a sua organização do trabalho regida pelo ideário neoliberal, tendo como regra a flexibilidade e a intermitência dos seus empregos. Os níveis de informalidade e terceirização são elevados na atividade turística. O imenso contingente de trabalhadores informais do turismo se junta a uma crescente massa de trabalhadores precarizados que vive na informalidade, no turismo e em outros ramos da economia. São trabalhadores e trabalhadoras que estão a margem de qualquer tipo de proteção social, são “freelancers que se tornam permanentes, mas que têm direitos burlados” (Antunes, 2018, p. 36).


A terceirização tem centralidade na estratégia empresarial do setor turístico, na medida que visa a redução dos encargos da contratação direta de trabalhadores. Por meio dela, as relações entre capital e trabalho são mascaradas através de relações entre empresas contratadas por um determinado período de tempo, o que implica em baixos salários e contratos de curta duração. Muitos trabalhadores são forçados inclusive a constituírem pessoas jurídicas para prestarem determinados serviços para as empresas contratantes.


A fragmentação e desarticulação em que se encontra classe trabalhadora do turismo impede que ela se organize por meio de entidades capazes de lutar pelo fortalecimento da categoria, apesar das tentativas. Em virtude do pensamento neoliberal ser dominante nas racionalidades dos trabalhadores do turismo, eles se veem como empreendedores, empresários, consultores, técnicos e planejadores.


O ocultamento da luta de classes faz com que grande parte dessa massa de proletários de serviços, inclusive turísticos, que é assalariada, precarizada, flexível e intermitente, se veja como pertencente à classe média, quando na verdade são “uma mescla de burguês-de-si-próprio e proletário-de-si-mesmo” (Antunes, 2018, p. 34). No turismo, o “uso flexível da mão-de-obra” é regra (Urry, 1996).


Diante do exposto, torna-se necessário o resgate do sentido de pertencimento de classe, não apenas dos trabalhadores do turismo, mas do proletariado de serviços de forma geral, tendo em vista que a lógica destrutiva do capital não reconhece barreiras para a precarização do trabalho. Os desafios impostos à classe trabalhadora, movimentos sociais e sindicais em tempos de exploração sem limites da força de trabalho são gigantescos. Cabe aos sindicatos se empenhar na tarefa de unir a classe trabalhadora em termos de laços de solidariedade e pertencimento de classe, se aproximando dessa nova classe trabalhadora de serviços, de maneira a resistir ao sistema repressivo e destrutivo de “metabolismo social do capital” (Mészáros, 2002).



 

Referências:

Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo.

Antunes, R. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo.

Bihr, A. (2010). Da grande noite à alternativa: o movimento operário europeu em crise. São Paulo: Boitempo.

Esping-Andersen, G. (1995). O futuro do welfare state na nova ordem mundial. Lua Nova [online]. 35, 73-111.

Harvey, D. (2011). Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 21 ed. São Paulo: Edições Loyola.

Mészáros, I. (2002). Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo.

Urry, J. (1996). O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São Paulo: Studio Nobel: Sesc.

 

O texto “O novo proletariado de serviços: análise da precarização do trabalho no setor do turismo”, em sua versão completa e original, faz parte da obra Pesquisa em Turismo: colaboração, inovação e interdisciplinaridade”, lançada em maio de 2020 pela Editora Espaço Acadêmico.

734 visualizações0 comentário

Kommentare


bottom of page